“Crianças que eu estava vendo crescer foram levadas pela lama. Outras pessoas, que eu cresci vendo, também se foram. Um deles só estava passando”, lamenta Antônio Geraldo dos Santos, um dos atingidos pelo rompimento da barragem do distrito Bento Rodrigues, em Mariana (MG), em novembro de 2015, em que19 pessoas morreram. Ele foi nesta quarta-feira (25) a Brasília defender os direitos dos sobreviventes, que diz não estarem sendo respeitados.
Antônio e outros representantes de comunidades afetadas pelo maior desastre ambiental do Brasil participaram de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, em Brasília, para falar sobre o acordo de recuperação socioambiental da Bacia do Rio Doce, assinado no início de março – e homologado pela Justiça Federal em maio – entre os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo e as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.
“Os moradores não foram ouvidos. Não adianta ficar em salas fechadas, tentando fazer alguma coisa para auxiliar os atingidos sem a participação dessas pessoas. Assim, as violações vão continuar acontecendo. A propaganda é diferente do dia a dia”, disse Antônio dos Santos, que também falou da dificuldade de comunicação com a empresa, que comanda os processos de negociação.
O coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) da Cidade de Barra Longa, Thiago Alves da Silva, reclamou que, pelo acordo, o governo vai acompanhar e fiscalizar a implementação dos programas e quem coordena o projeto “é a empresa que cometeu o crime”. Segundo Silva, as famílias não estão participando do processo de decisão: “No processo de construção do acordo, a participação foi zero. No processo de execução, também não é previsto”.
Segundo Thiago, os moradores recebem ligações da mineradora Samarco de números confidenciais que não permitem que retornem a ligação em caso de dúvidas. “Todas as informações pedidas pelos atingidos são respondidas por telefone. O direito à informação não está sendo cumprido”, afirma.
Thiago Alves da Silva defende que é hora de repensar o modelo de mineração no Brasil e que o rompimento da barragem em Mariana mostra a falência desse modelo: “Foi uma tragédia criminosa. Não é uma opinião, é a constatação do inquérito da Polícia Civil de Minas Gerais. Quem mora na região, viveu com o risco por décadas, inclusive debatendo com a Samarco sobre essa possibilidade. É a soma da negligência do Estado brasileiro e da ganância da Samarco, da Vale e da BHP Billiton. Uma simples sirene poderia ter salvado as pessoas que foram mortas em Bento Rodrigues”.
Representantes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública de Minas Gerais e da mineradora Samarco também participaram da audiência. A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Débora Duprat, concorda que o rompimento foi uma “tragédia anunciada” e que não faz sentido que “a causadora do problema possa mediar a situação”. Débora Duprat concorda que o acordo não ouviu as manifestações dos atingidos. Ela defende que o acordo só deve servir como ponto de partida para que outros acordos sejam feitos, incluindo as comunidades.
O diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Floresta do Ibama, Paulo Fontes, disse que o tema é complexo e que o país ainda está aprendendo com a situação, pois não passou antes por desastre dessa proporção. Ele disse que o acordo prevê programas sociais, ambientais e econômicos para atender as comunidades atingidas.
Fontes também ressaltou que é importante entender que os programas que deverão ser implementados pela Samarco têm aspectos reparatórios e compensatórios: “Se é reparatório terá que ser feito independente do valor, não tem custo definido, e isso está claro no acordo”.
O representante da Samarco, José Luiz Furquim Werneck Santiago, disse os programas previstos no acordo ainda precisam ser detalhados. Ele reconheceu que “será um longo processo para que os danos sejam reparados”. Werneck afirmou que a empresa tem buscado o diálogo e a transparência com as comunidades impactadas, mas “sem dúvida nenhuma pode melhorar”. Werneck disse que ações emergenciais foram tomadas pela Samarco logo após a tragédia e que a empresa continua trabalhando “em todas as áreas atingidas”.
Moradores também disseram que a lama e a contaminação dos rios gerou problemas de saúde pública generalizada e que muitas pessoas ainda apresentam dificuldades respiratórias e doenças de pele. O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado federal Padre João, acatou requerimento para que representantes da Comissão visitem regiões atingidas. (Agência Brasil)